Olá!

Gostou do Blog?

Quer receber atualizações?

Insira seu e-mail:

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Dia Mundial Sem Carro

Gostei muito deste texto que li no site BioCicleta, e resolvi publicá-lo aqui também para divulgar ainda mais a ideia.

Dia sem carro?
Por Isah Andreoni

Dia sem carro?

No dia 22 de setembro celebra-se o “Dia mundial sem carro.” Ciclistas, pedestres, patinadores, skatistas, e toda uma legião de homens e mulheres, garotos e garotas, são esperados para a ocupação de ruas que, por direito, deveriam ser suas permanentemente, mas que lhes são concedidas, e de uma forma muito precária, apenas durante umas poucas horas desse único dia, marcado no calendário dos espíritos livres.

E não é pouco o que esse dia representa, quanto à reivindicação de uma outra ocupação do espaço urbano, uma outra forma de relação do homem com o ambiente, e consigo, menos predatória e mais prazerosa.

Entretanto, o que, nós que pedalamos – com maior ou menor frequência, não importa - devemos nos perguntar é até que ponto sairmos pras ruas uma vez ao ano, com o propósito explícito de nos fazermos presentes, de deixarmos nossa mensagem, e darmos nosso recado, nos aproxima da realização mínima daquilo que deveríamos reivindicar?

Mostrar que, sim, existimos, em meio à monstruosidade de caminhões, ônibus, automóveis, dentro e por trás de uma espessa cortina de fumaça, é algo importante; mas a pergunta que sempre me faço, cada vez que o final de setembro se aproxima é: até quando? Até quando vamos concordar com uma forma de trânsito, e de ocupação do espaço, que converteu nossas ruas em verdadeiros ringues, para uma modalidade de luta em que, apesar das regras, vale tudo?

Não tem jeito, queiramos ou não, estamos de acordo com a cidade que está aí, o trânsito que está aí, o consumo... pois seja em nossas bikes, ou – o que é pior – dirigindo nossas bolhas de lata, essas naves canibais, somos parte de uma só e mesma cidade, de um só trânsito, de uma mesma lógica de ocupação do espaço e de relação com o tempo, com os outros humanos e seres vivos, conosco, com o ambiente, enfim, com tudo.

Se o discurso já virou ladainha; se já não aguentamos mais ligar a T.V. e, lá vem mais uma reportagem sobre crise ambiental, aquecimento global, efeito estufa, fontes alternativas de energia, e por aí afora; se todos esses termos, e outros como nova consciência, sustentabilidade, ecologia e ambientalismo tornaram-se parte de nosso vocabulário cotidiano; por que não fazemos nada, além de, pela milésima vez, confirmar uma constatação? Já não temos mais desculpa, pois informação não nos falta.

Botar nossas bikes pra girar, sairmos pra rua é, sem dúvida, o primeiro passo, aliás, muito importante. Afinal, nossa memória anda esquecida, e é preciso lembrá-la de coisas que hoje soam impossíveis, mas que um dia foram, e serão, o mais natural.

As transformações que essa civilização – e a sociedade do automóvel – ocasionaram trouxeram, sim, muitos avanços; responderam a alguns de nossos desejos, criaram e alimentaram nossos sonhos; mas vivemos agora uma espécie de epílogo, e é preciso reconhecer, superar e deixar para trás tudo aquilo que essa mesma sociedade nos legou de engano, prejuízo, desequilíbrio, destruição.

Para isso, não bastam novas tecnologias; o discurso dos biocombustíveis também é muito pouco; novas frotas de ônibus para tornarem a já difícil batalha com os carros ainda mais acirrada, não sei; da constante reengenharia urbana, então, nem se fala: rodízios, planejamentos, pontes, viadutos, pistas e mais pistas, túneis... já tentamos de tudo. Agora é o momento de reconhecermos nossos limites dentro dessa lógica; reconhecermos e assumirmos os limites desse modelo de sociedade, com suas práticas diárias, com seu padrão de consumo e desperdício, com sua geração de lucros e resíduos, impossíveis de serem reintegrados minimamente nessa outra lógica da qual nos afastamos, bem mais equilibrada e ampla, e cíclica, que é a da natureza.

Gostaria muito que aqueles que forem sair para as ruas, não importa se deslizando em seus rollers ou sk8s, caminhando ou pedalando, em cadeiras de rodas, monociclos, pernas de pau, ou plantando bananeira; gostaria que toda essa legião de mulheres e homens, todos crianças e jovens, não importa a idade, sintonizados que estamos com esse futuro tão presente; gostaria que, ao sairmos, não só nesse dia sem carro, mas a todo momento, nessa luta diária, desleal, e mortífera, que travamos diariamente para ocupar um espaço que naturalmente, e legalmente, já é nosso; que trouxéssemos isso tudo em nossas mentes, em nossos corações, nos nossos corpos: o desejo vivo de uma transformação real; e não apenas medidas paliativas para estenderem, sabe-se lá por mais quanto tempo, a vida inútil de um modelo de sociedade, com seu culto ao automóvel, que tem se mostrado tão predatório e suicida.

Queremos celebrar, sim, o que já conquistamos, que é essa sintonia com o futuro presente; essa percepção do que queremos, e do que não queremos; essa leveza de corpo e de espírito de quem se desloca com sua própria vontade, e não deixa como lembrança uma nuvem de fumaça. É com alegria que vamos pras ruas, sem dúvida. Mas é também com a firmeza de quem está de saco cheio – com o perdão da palavra – de assistir a essa guerra sangrenta, a essa batalha psíquica, esse enfrentamento, todos os dias, ao vivo, no lugar onde vive, e de saber, pelas notícias que chegam, cada vez com maior velocidade, que a mesma guerra acontece em outras cidades.

Nosso trânsito diário converteu nossa vida urbana, o espaço público, numa guerra permanente. Será que algum dia o Dia mundial sem carro de fato assumirá o papel de simbolizar todo nosso descontentamento, indignação, desejo de mudança?

Não sei... Enquanto isso, cadê o menino que vinha sorrindo, em sua prancha mágica, flutuando no asfalto, e de repente adentrou esse túnel sem onda, nem poesia, pra nunca mais sair do outro lado?

Isah Andreoni

Nenhum comentário:

Seguidores