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sábado, 16 de abril de 2011

A lição além dos muros da Escola Aurélio Reis

Encravada em um beco no bairro Jardim Floresta, na periferia da Capital, uma escola estadual divide espaço com casebres e o narcotráfico. Não tem placas nem portaria. É rodeada por um muro aos pedaços e protegida por um portão com corrente e cadeado. Pode parecer estranho, mas ali está a instituição de ensino eleita pelo governo gaúcho como modelo a ser seguido.

Mas o que há de tão especial na Escola Estadual de Ensino Fundamental Aurélio Reis? Definitivamente, não é o pórtico. É preciso avançar e olhar mais de perto. Quando pisei pela primeira vez na viela, às 12h47min de segunda-feira, também desconfiei. Foi um grupo de crianças sentadas ao meio-fio que me serviu de bússola.

– É aqui a escola Aurélio Reis? – perguntei.

– Sim, tia. Daqui a pouco abre – respondeu uma sorridente menina desdentada, enquanto os colegas brincavam de rodar peão.

– E esse muro estragado? – continuei.

– Foi uma árvore que caiu em cima.

Às 13h, uma senhora destrancou o cadeado e os alunos entraram correndo e gritando. Aos poucos compreendi por que, nos últimos três anos, a escola reduziu a zero a taxa de abandono e aumentou os índices de aprovação. Foi isso que levou o governador Tarso Genro, em março, a atravessar o mesmo portão e conversar com docentes e estudantes. Ao final, surpreso, o chefe do Executivo declarou:

– Se fôssemos estabelecer um padrão de um a 10, essa escola mereceria oito ou nove e até um 10 em alguns aspectos. Ela deve ser a referência para a qual queremos remeter todas as escolas do Rio Grande do Sul.

Saindo da UTI

A primeira coisa que se vê é uma quadra de cimento, protegida por uma cerca enferrujada, e dois prédios de tijolo à vista em boas condições. Não há lixo no chão nem pichações – apenas grafites.

Nos prédios – um deles novo –, as paredes são recém-pintadas. Além do bege de fundo, há detalhes em vermelho, lembrando flores e corações. Por todos os lados, quadros destacam os valores da escola: respeito, autoestima e ensino de qualidade.

Não há classes nem paredes riscadas. Nenhuma sequer, em nenhum dos edifícios. Os tampos das mesas são brancos e lembram os móveis usados em alguns colégios particulares. Também não há cadeiras quebradas.

A explicação para tanto zelo está em um acordo coletivo tácito, possível em uma instituição pequena, se comparada a outras da rede – do jardim à 8ª série, são apenas 220 alunos. Mas ao mesmo tempo difícil, por abarcar uma população em parte miserável, incluindo moradores da Vila Dique.

Ao assumir a direção do estabelecimento, há três anos, a professora Nássara Brum Pires Scheck, 48 anos, concluiu que precisava arrumar um jeito de aproximar a criançada da escola. Na época, os índices de reprovação e abandono eram altos. A virada só seria possível a partir de uma mobilização incluindo pais, alunos e funcionários.

– Atenção! Sábado vai ter churrasco e mutirão. Avisem em casa. Quem quiser, vai poder ajudar a pintar o colégio. É só aparecer – anunciou a diretora, em março de 2008.

Empolgados, pais e alunos compareceram em massa. A ofensiva fez história no bairro. Em dois dias, as paredes estavam renovadas. E o sentimento de orgulho em relação à escola também. Os mutirões se seguiram, ano após ano, assim como as festas.

– É como se fosse nossa casa – assegura a estudante Suelen Marques, 11 anos.

A escola saiu da UTI, mas as condições ainda eram ruins. Mesmo ganhado mal, as professoras chegaram a tirar dinheiro do bolso para ajudar. Certa vez, quando faltou comida, Nássara foi de carro até a Ceasa. Pediu ajuda de banca em banca. Ganhou repolho, cenoura, alface.

– As pessoas não imaginam, mas o que a gente recebe do governo do Estado não dá para quase nada. São R$ 1,7 mil por mês. E isso tem de servir para tudo, do material de limpeza à conta do telefone – diz a diretora.

Sonho realizado

Inconformada, ela saiu em busca de verbas. Onde havia oportunidade de participar de algum projeto, lá estava ela. E projetos existem, aos montes. O problema, diz a gestora, é a burocracia, o tempo exigido para o preenchimento de papéis, a prestação de contas. Mal pagos, muitos diretores preferem a inércia. Nássara, não. Nássara é diferente. E foi assim, na base da insistência, que a escola conseguiu sua segunda grande conquista.

Com recursos do programa Mais Educação, do governo federal, foi possível criar uma biblioteca infantil. Hoje, meninos e meninas contam com um espaço multicolorido, cheio de almofadas e pufes, com mais de uma centenas de livros. Dá gosto de ver.

A biblioteca virou hit. Nássara, que trabalhou por 20 anos na rede marista, queria criar salas de aula temáticas, abrir um laboratório de matemática e ciências, arrumar a sala de informática. Em 2009, com verbas federais, ela conseguiu concretizar o segundo sonho.

Inclusão digital

Montado em uma sala ampla, o laboratório conta com mesas compridas e um armário com dezenas de jogos educativos. Em um balcão, réplicas de um esqueleto e do corpo humano chamam atenção, assim como uma engenhoca representando o sistema solar, um microscópio e uma luneta.

– Uma das escolas onde trabalho é particular, mas não tem nem a metade do que tem aqui. É uma forma divertida de aprender – diz a professora Jéssica Paim, 20 anos.

No mesmo ano, graças a uma boa gestão, Nássara conseguiu reformar a sala de informática. De tanto insistir com governantes, ganhou 28 computadores. Mandou botar tampos de madeira sobre antigas pias dispostas na sala para compor mesas e comprou cadeiras estofadas. Não sossegou enquanto não conseguiu auxílio da Secretaria Estadual de Educação para instalar um split. Todos os equipamentos seguem funcionando. E as cadeiras não têm um rasgo sequer.

A reviravolta promovida desde 2008 é visível em todos os cantos. Nos banheiros, as portas maculadas com palavrões e desenhos obscenos foram pintadas e seguem brancas. Tudo é muito limpo. E há papel higiênico.

– Se a gente não insistisse e desse o exemplo na questão da higiene e na organização, o que se poderia esperar das crianças? Muitas vivem no meio do lixo. Aqui, ensinamos para a vida – sustenta Nássara.

Na entrada das turmas, a gurizada se apressa quando há oficina com netbooks. Selecionada para o projeto Escola Digital, uma parceria entre Estado e iniciativa privada, a Aurélio Reis recebeu a promessa de ganhar 250 computadores portáteis e lousas digitais.

O projeto começou em 2010. A escola teve fiação e tomadas instaladas e apenas um teste com um dos quadros. Os professores estão sendo treinados. Quanto aos laptops, chegaram só 25. A letargia não abate os estudantes.

– Eu estudava em outro lugar antes. Tinha livros feios, paredes riscadas, cadeiras quebradas, lixo nos corredores. Aqui é tudo ao contrário. E ainda tem os netbooks. Pouca gente tem essa oportunidade – conclui o aluno João Pedro Gonçalves, 12 anos.

Se dependesse das crianças, elas dormiriam abraçadas nos netbooks, dentro da escola, que fica aberta aos fins de semana, com aulas de informática e violão à comunidade.

Por um novo muro

Enquanto alunos aprendem passos de street-dance e outros ajudam a limpar os pratos no refeitório – usado três vezes ao dia –, pergunto à diretora o que achou da visita de Tarso Genro. Com um misto de orgulho e modéstia, ela sorri e diz ter se surpreendido, não sem antes deixar claro que é “apartidária”:

– Não sei se somos escola modelo. Temos muita coisa boa, sim, mas também temos muito a conquistar. É uma luta diária.

Foi assim que Nássara conseguiu a ajuda de uma editora para a publicação de três livros, feitos pelos pupilos. No lançamento do último, na Feira do Livro em 2010, a diretora quase infartou de orgulho. A próxima luta, agora, é mais difícil, mas não impossível. Ela quer mudar a cara da escola, que faz a gente duvidar da qualidade do colégio.


A RECEITA DE NÁSSARA

A pedido de ZH, a diretora Nássara Brum Pires Scheck, 48 anos, elaborou uma receita simples para transformar a realidade:

1 Faça você mesmo. Mobilize seus alunos para um mutirão. Pode ser uma limpeza coletiva da escola, o embelezamento do pátio ou até uma pintura nova. Se não tiver verba e não conseguir apoio do Estado, não desanime. Busque parceiros no bairro ou promova uma festa comunitária para arrecadar dinheiro.

2 Reutilize materiais. Exemplo: em vez de jogar fora cadeiras quebradas, tire as partes de madeira e separe as estruturas de ferro de quatro delas. Em uma obra ou marcenaria, peça duas tábuas de quatro metros de comprimento e 30 centímetros de largura. Disponha as estruturas lado a lado e pregue as tábuas para formar um banco coletivo. Depois, convide os alunos para a pintura e terá um banco novo na quadra de esportes.

3 Fique atento aos projetos oferecidos pelos governos federal e estadual. Acesse o site do Ministério da Educação (www.mec.gov.br) e fique de olho. Dá trabalho participar – é burocrático, exige tempo e comprometimento. Mas é uma forma de conseguir verbas para melhorar o ambiente escolar.

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